O home office de um roteirista
Trabalhar de casa pode ser uma tarefa hercúlea se o local de trabalho não for pensado para isso.

A vida de um roteirista é sentado escrevendo (ou, no caso da Glória Perez, em pé escrevendo). Isso significa que o dia pode acabar na delícia de se escrever "fim" centralizado na parte inferior da última página do seu roteiro ou na fila do hospital enquanto espera um analgésico na veia por dor nas costas devido à má postura.
Um home office mal planejado faz a sua produtividade tender a zero. Cansa a vista, cansa o corpo, desconcentra. E nada no mundo é mais danoso para um escritor - eu sou disperso por natureza - do que distrações.
Siga essas dicas para montar o home office perfeito para o roteirista.
1. O Local
Escolha um local isolado de sua residência, longe dos barulhos e do fluxo de pessoas. Aqui em casa eu uso uma varanda, anexa ao quarto dos meus bebês, que foi fechada e isolada. Não é o melhor dos mundos (ainda preciso passar pelo quarto deles para acessar o escritório), mas a minha rotina de trabalho faz deste local perfeito: tenho um banheiro ao lado (o quarto dos bebês é uma suíte), está isolado da sala - que é o cômodo mais barulhento e movimentado da casa, tem um janelão com uma vista agradável e é um lugar arejado e fresco. Quando meus bebês estão acordados e em casa eu geralmente não trabalho para ficar com eles, ou seja, só uso o espaço quando eles estão dormindo ou na creche. Nos fins de semana, no entanto, eu sinto falta de um canto mais isolado. Mas beleza, não dá pra se ter tudo quando se tem quatro filhos.
O tamanho ideal é aquele que caiba na sua residência mas não te deixe claustrofóbico. O meu tem cerca de 7m2, uma área excelente onde ainda deu pra colocar meus livros - pelo menos parte deles - e alguns dos meus instrumentos musicais.
2. Insolação e Temperatura
Trabalhar com luz do sol incidindo diretamente sobre o monitor é um suplício. Não se enxerga nada, a produtividade desaba. Fora que o sol estraga e desbota tudo: livros, teclados, computadores... Dê preferência para janelas laterais à área de trabalho e posicione sua mesa de um jeito que os raios de sol não incidam diretamente sobre a tela. Sei que o sol muda de posição durante o ano e não dá pra ficar arrastando escrivaninha, por isso cortinas com blecaute ou persianas são fundamentais. Eu demorei a colocar por pão-durice. Depois que instalei, só pensava em como pude ser tão muquirana.
A temperatura também é importante. Um lugar frio demais te deixa com as juntas dos dedos das mãos doloridas. Um lugar quente te deixa desconfortável. Escolha uma temperatura agradável e invista em ar condicionado ou ventilador.
3. Os Equipamentos
Um aviso: este artigo é voltado para escritores, então os equipamentos apresentados são para esta finalidade.
a) Computador: Tenha uma máquina razoável, não precisa ser de ponta, já que o escritor usa programa relativamente leves. Eu, como também gosto de editar e de brincar com áudio de vez em quando, e que às vezes manipulo os arquivos que meus designers criam para versionar em outras línguas, tenho um MacBook Pro de 2013 que eu turbinei com 16Gb de Ram e uma HD SSD de 1TB. O bicho ficou um avião e aguenta fácil mais uns três anos, roda o High Sierra sem engasgar e liga rapidinho. Com ele rodo In Design, Photoshop, After Effects, Premiere, Final Cut X, Final Draft, Movie Magic Scheduling e todo o pacote Office sem problemas.
b) Monitor: Eu aconselho sempre um monitor grande. Tenho um monitor externo da LG de 27", Full HD, que me satisfaz. Assim trabalho com este monitor como principal, o monitor de 13" do MacBook como secundário e ainda uso meu iPad como agenda, bloco de notas e rodando meu programa de gerenciamento de tarefas o tempo todo. Trabalhar com duas telas - ou, no meu caso, com três - é um ganho de produtividade absurdo. No MacBook uso um apoio de plástico que me custou R$ 30,00 no Mercado Livre para manter a tela do notebook na linha dos olhos.
c) Teclado e mouse: Por ser adepto da Apple, acabo me sujeitando ao teclado deles, que é bem caro. Não uso o teclado do MacBook, comprei um externo, alfanumérico, original da Apple. Preferia um teclado ergonômico. Já o mouse eu troquei por um trackpad gigante e não me arrependo, ter todos os movimentos que um trackpad da Apple te permite, com todos os gestos que usam muitos dedos à disposição, pra mim não tem preço. Sinto falta de um mouse somente quando preciso fazer ajuste fino em programação visual, o que é raro.
d) Softwares: Um roteirista tem que ter o Final Draft. Me desculpe, mas esta é a vida. Mesmo que eu deteste o FD, o tracking das modificações no roteiro com a produtora é feito nele. É o padrão do mercado. Eu particularmente escrevo no Writer Duet (tenho a versão full) e exporto para o FD depois que vendo o projeto, e termino por lá. Mas o Writer Duet tem me dado tanta dor de cabeça nos últimos dias que estou escrevendo um roteiro diretamente no FD mesmo. Além destes dois editores de roteiro, eu tenho o Fade In, o Highland e o Celtx como backups para editor de roteiro, e um software chamado iA Writer para textos corridos. Curto a interface dele, limpa, perfeita pra se escrever à noite. Para argumentos, não tem igual. Tenho, obviamente, o pacote Office, o pacote iWork (o Office do Mac, que vale sobretudo pelo Keynote, o melhor programa de apresentações que existe), o Libre Office e o Open Office. Uso o Grammarly instalado no meu navegador porque escrevo muito em inglês. Tenho o Movie Magic Scheduling porque estou me aventurando como Assistente de Direção. Uso ainda o Wunderlist para me ajudar a organizar as tarefas pendentes e dividi-las com a equipe e, obviamente, todos os softwares de comunicação mais usados: Hangouts, Skype, Telegram e WhatsApp versão desktop. Nas minhas reuniões virtuais eu prefiro usar o Skype do iPad. Como já disse, gosto de editar e mexer com som, então tenho todo o pacote Adobe (inclusive Premier), o Final Cut X, o Resolve e o Logic. Uso Dropbox, Google Drive e Mega Uploader para compartilhamento de arquivos.
e) Impressora: Roteirista imprime para caceta. Escolha uma impressora com qualidade, mas econômica. Eu tenho duas, uma HP Office Jet 8500A na qual adaptei um bulk ink (cartucho para usar tinta paralela) e uma Epson L475 com tambor de tinta recarregável. As duas me satisfazem. Se tivesse mais grana investia numa laser, mas não é o caso agora. Quando preciso imprimir algo em papel cuchê liso (especialmente one sheets e capas de bíblias), eu mando para uma gráfica rápida. Mas com as minhas impressoras dá pra tocar numa boa os materiais mais comuns: roteiros, bíblias e até mesmo one sheets, que imprimo em papel vergê 240g na capa e 120g no miolo. Meus roteiros eu imprimo no bom e velho papel A4 75gr, branco, com a capa no vergê 240gr. Tenho uma guilhotina e uma mesa de corte, que uso bastante. Ainda não investi numa encadernadora Wire-O, estou pensando se vale a pena.
f) Periféricos: Tenho três fones de ouvido, para ações diferentes: um AKG K 240 MKII que uso para edição de som, um JBL Everest 310 Bluetooth no qual conecto celular e computador simultaneamente e que uso no dia a dia e o fone do meu celular mesmo, que uso quando saio de casa ou quando quero chamadas telefônicas ou via Skype com menos chiado (Bluetooth ainda distorce muito o som). Tenho um telefone fixo na minha mesa. Uso um iPad e o meu celular, cada um num suporte. Tenho um Hub USB 3.0 com 7 portas onde ligo um berço para duas HDs internas (tenho nele uma HD 2,5" e vou colocar outra barracuda de 6TB para edição), meus tokens do banco e da receita federal (eu emito nota fiscal, claro), 1 HD externo de 4TB com conteúdo útil (fotos, roteiros, músicas, vídeos de referência etc.) e dois HD externos SSD de 2TB para Backup (e eu faço backups todos os dias, automaticamente, nos dois HDs). Tenho ainda uma Apple TV antiga que uso bastante.
4. A Elétrica
Não arrisque: use fios novos, tomadas novas e disjuntores novos. Além de queimar equipamento, uma falha elétrica fode o seu prazo. Por comodidade, tenho 5 espelhos com 3 tomadas cada instaladas no meu escritório. Evito usar extensões, filtros de linha, essas coisas. Tenha um escritório claro, mas com luz quente. Luz fria deprime demais, parece banco ou açougue. Eu tenho uma luminária para as horas mortas.
5. A Cadeira
Esse é o coração do seu escritório. A cadeira certa faz você esquecer que está trabalhando. A errada te leva ao inferno. Invista o máximo que você puder numa excelente cadeira ergonômica. A minha é uma Seatwell. Há opções honestas na faixa de R$ 500,00, mas é melhor pegar uma usada de melhor qualidade. Eu aconselho buscar uma boa cadeira na faixa dos R$ 1.000,00 a R$ 1.500,00 que tenha regulagem da altura do braço, elevação, encosto, faixa de pressão na lombar, apoio de pescoço, tela mesh... Não poupe nesse quesito. Suas costas e suas hemorróidas agradecerão.
6. A Rotina de Trabalho
Arrume-se para trabalhar. Pode parecer um conselho idiota, mas não é. A mente precisa entender que, a partir daquele momento, você está trabalhando. Minha rotina de trabalho é em função de ter ou não filhos em casa e se estão ou não acordados, então é mais ou menos assim: acordo perto de 5:00 da manhã e trabalho até as 7:00. Das 7:00 às 7:45 entro no modo filhos: molecada para a escola, café da manhã etc. Das 8:00 até 16:30 pego firme, no verão paro uma hora pra dar um mergulho no mar (moro a menos de 100m da praia) e almoçar. Das 16:30 até as 21:00 o modo família está ligado: pegar na escola, trabalho de casa, dar atenção, ver um filme. Das 21:00 em diante depende da rotina. Se estiver atolado, vou trabalhar e sigo até 23:00, mas posso varar a noite se precisar (nesta semana fiz isso quatro vezes). Se tiver uma folga, entro no modo marido e vou curtir a mulher. Sair da rotina é um horror, atenha-se aos seus horários porque a sua rotina fará com que todos na casa entendam que você na verdade está trabalhando e, portanto, inacessível.
7. Ergonomia
Ergonomia é algo seríssimo. Busque informações especializadas e siga à risca indicações de altura, de postura, posição dos pés e mãos, linha dos olhos. Suas costas, seus olhos e sua saúde sempre funcionando garantem uma pipeline cheia de trabalhos.