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Como se tornar um roteirista?

Atualizado: 30 de mar. de 2018

Virar roteirista profissional é um trabalho de formiguinha que exige dedicação e sacrifício. E isso foi o que fiz.



O Bill Labonia fala muito uma coisa com a qual concordo em gênero, número e grau: pra ser roteirista você tem que se dedicar integralmente ao roteiro. Mas pra isso precisa se organizar, porque pode significar um ano ou mais de sua vida entregue a este sonho, sem conseguir fazer grana com outras coisas. Vou dar minhas dicas de como consegui fazer isso:


1. Estudei pra cacete enquanto trabalhava no meu trampo de todos os dias. Fui produtor cultural e publicitário, então nunca me afastei muito desse caminho. Enquanto estava trampando - e lembrando que não fiz facu de cinema - li muito material, alguns livros como o Doc, o Snyder, o Vogler e o Mckee, pelo menos umas três ou quatro vezes. Vi muitas videoaulas gratuitas na internet. Já falava inglês, mas se não falasse teria que aprender, é essencial. Nesse período produzi material pra amadurecer a escrita, mas como sempre trabalhei muito esta fase durou muito tempo, dos meus 20 até os meus 36 anos. Não me entristeci porque trabalhava com uma parada que eu curtia muito, não era meu sonho mas era algo perfeitamente plausível pra viver feliz.


li muito material, alguns livros como o Doc, o Snyder, o Vogler e o Mckee, pelo menos umas três ou quatro vezes

2. Quando tomei coragem pra fazer a transição, aos 35, foquei em juntar grana. Isso toma tempo, no meu caso uns três anos. Pra fazer isso tomei as seguintes providências: joguei meu custo fixo ao mínimo (e ainda assim é alto pq tenho 4 filhos, todos moram comigo e enfrentei um divórcio no meio do caminho, quem já se divorciou sabe o tamanho do preju), cortei o que era supérfluo, inclusive restaurantes, que é uma coisa que adoro, e dei uma reduzida sensível em viagens e saídas, pra não dizer que não cortei totalmente. Foquei nas minhas necessidades: comida, moradia, saúde, escola da molecada, um fundo pra eu gastar com cursos (não deu pra ir pros EUA estudar, que era minha intenção, porque tenho filhos pequenos e a despesa ia ser muito grande, mas é algo a se considerar se você não tem amarras), um fundo pra gastar participando de eventos do meio (que são caros), internet, TV a cabo/Netflix porque faz parte do preparo para o trabalho, softwares e hardwares necessários pro roteiro (não é muito, um PC normal dá conta, acho o FD um mal necessário, comprei o Writer Duet e uma impressora em que adaptei um bulk ink porque roteirista imprime pra caralho) e a montagem de um home office decente, que basicamente resume-se à melhor cadeira que você puder comprar, há opções decentes na casa dos 800,00, usadas. Vocês não têm ideia na quantidade de grana que se economiza só cortando balada e recebendo seus amigos em casa. Não tenho faxineira. Não tenho empregada. Quase não uso carro. E por isso optei por morar no local mais agradável que minha grana pôde proporcionar, porque este isolamento acaba sendo meio escroto também e sair de casa e andar num lugar bonito faz uma puta diferença pra arejar a cabeça. No meu caso, moro muito perto de uma praia linda em Niterói, no Rio.


cortei o que era supérfluo

3. Depois que você juntou a grana, tem que preparar a família pra entender o sacrifício que você tá fazendo. Pra sacar que você está em casa mas está trabalhando. Tem que trazer a família pra junto. No meu caso, tenho uma mulher foda pra cacete e uns filhos muito maneiros. A mulher inclusive ajudou a segurar a onda bancando a casa sozinha quando a grana acabou antes da carreira virar (calculei mal a economia que precisava fazer ou gastei mais do que devia, provavelmente uma mistura dos dois). Aí dei uma pausa, fechei uns trabalhos, juntei mais uma grana e continuo na lida. O Temer liberar o FGTS deu uma força, não posso negar :).


tem que preparar a família pra entender o sacrifício que você tá fazendo

4. Fiz um plano pra construir meu portfólio, demorou mais ou menos um ano e meio pra ficar pronto. Tenho dois longas (um de terror e um musical), um curta, uma bíblia de série completa com piloto, quatro argumentos bem fundamentados para novas séries, uma sinopse de novela, um spec do House M.D., duas bíblias de série sem piloto escrito e produzi dois branded contents que somam cerca de 2h de audiovisual acabados. Além disso, tenho um arquivo pessoal com cerca de 100 loglines originais de séries e longas que vivo atualizando, limpando e consultando.


Fiz um plano pra construir meu portfólio, demorou mais ou menos um ano e meio pra ficar pronto

5. Com o portfolio pronto, parti pra pesquisar produtoras. Listas e mais listas, mailing dos eventos, o canal da Krishna Mahon no youtube, muito google, muita conversa com amigos que estão no mercado. Leva tempo pra construir uma rede de contatos sólida. E é um trabalho que nunca acaba.


Leva tempo pra construir uma rede de contatos sólida

6. Hj meu dia de trabalho tem em média 12 horas. Divido colocando 8h por dia no roteiro, 4h em trampos que possam dar uma grana, durmo 5 horas por noite, gasto 1h por dia em trabalho doméstico e o resto do tempo é pros meus filhos e pra minha mulher. E não, não tenho tempo pra mim. Quando a coisa virar eu tiro esse atraso. Meu tempo pra mim é o tempo em que passo escrevendo.

Meu dilema hoje é o seguinte: quando a grana acaba e estou no vale do audiovisual (projetos de A/V tem um timing de confirmação muito escroto) , tenho que me virar pra conseguir grana. Aí foco em projetos pontuais que me consomem um tempo específico e que me dão uns meses de respiro pra continuar me dedicando a escrever. Essa parada da grana é muito foda, se você não se prepara fica um fantasma no fundo da sua cabeça minando toda a sua criatividade. Então, se você ficar duro, procure um trampo. Se conseguir algum em escrita, tanto melhor. Se não, dá um jeito de pegar um trabalho flexível. E por isso manter sua despesa fixa no mínimo necessário pra viver é essencial. E insista. Uma hora a coisa vira. Este meio não é apenas um meio de talentos, é sobretudo a indústria da perseverança.


Este meio não é apenas um meio de talentos, é sobretudo a indústria da perseverança

Vocês podem achar que eu sou um cara sem vida. Normal. Ouço que sou workaholic desde novinho, este é inclusive um dos motivos que levaram ao fim do meu primeiro casamento. Não pretendo cagar regra pra ninguém, cada um vive a sua vida do jeito que quiser. A minha opção foi não reclamar da falta de oportunidades do mercado e cair dentro. Isso exige sacrifícios. Mas uma hora sei que colho os louros. E não perco a esperança.


Quer saber mais? Não deixe de ler estes posts:


- Livros que todo roteirista deve ler (essencial para iniciantes!);

- 10 mandamentos do roteirista para ter trampo a vida toda (para quem quer se manter trabalhando na indústria, independente de crises passageiras);

- 10 Dicas para aguçar a criatividade (travou? bloqueio criativo não é desculpa, veja como se livrar desse impasse).


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